A palavra lida, a palavra dita, a voz, o texto. Dentro e fora de campo. O monólogo, o diálogo, a conversa, a entrevista, a palavra em circulação. Como a palavra se instala com a imagem, como se inscreve nela ou se confronta com ela. Propomo-lo como exercício de reaprendizagem, contra o automatismo e a banalização do discurso verbal. E, de novo, propomo-lo juntamente com actos de descoberta – de filmes e de universos de autor. Haverá tempo para mergulhar em universos pessoais, oriundos de territórios muito diferentes, e haverá um convite para viajar entre eles, escutando os ecos que possam surgir. E haverá ainda cruzamentos pontuais com autores não presentes, ou títulos históricos convocados pela sua força vital.
Num futuro próximo, um grupo de jovens revolucionários, militantes do Comité Nacional de Organizações Revolucionárias, prepara-se para sair da clandestinidade e incorporar acções de guerrilha. Entretanto, no México, a Frente de Libertação combate os Estados Unidos da América. O objectivo é associar os revolucionários brancos com os negros, Porto-riquenhos e Mexicanos, todos sujeitos à mesma exploração e violência, mas divididos pela sua incapacidade de se compreenderem. Os responsáveis do Comité descobrem que devem enfrentar as mesmas incertezas, dúvidas e receios que os militantes. A ofensiva revolucionária rebenta. Jornais subversivos são distribuídos. Um coronel é morto. Uma refinaria explode. Prisões e estações de rádio e televisão são tomadas de assalto. Depois da polícia eliminar o líder do grupo, o seu lugar é tomado por Jim que dá instruções, a partir de uma cabine telefónica, a um dos seus camaradas, anunciando a próxima e decisiva batalha.
No primeiro documentário que realizou, Peter Nestler conta, de um modo pouco convencional, a história de uma pequena aldeia marítima na Alemanha do Norte. O protagonista e narrador é um dique velho e gasto que expressa os seus pontos de vista nostálgicos sobre as pessoas que habitam na aldeia, situada na outra extremidade da comporta.
Um olhar terno e humorado sobre as vidas de um grupo de crianças no meio rural Suíço. Crianças lêem pequenos ensaios que escreveram a propósito do caminho para a escola, da distribuição do leite durante o intervalo, de uma discussão no recreio. O uso do dialecto alemão suíço em vez do alemão clássico enfatiza o fascínio de Nestler pelo simples, pelo inocente e pelo natural.
Filmado alguns anos após o encerramento das primeiras jazidas mineiras na área do Ruhr, Nestler conduz-nos numa viagem através das minas, das pilhas de carvão, dos reservatórios e dos alojamentos dos trabalhadores e bares da cidade de Mülheim. Nesta viagem de catorze minutos, o contraste entre os trabalhadores e os seus empregadores é explorado, utilizando imagens com muito movimento e uma montagem rápida que acentua os dois extremos.
Um olhar crítico sobre a emergência da industrialização e as suas consequências no quotidiano. Numa pequena aldeia, vemos como o artesanato e os utensílios agrícolas tradicionais são substituídos por equipamento tecnológico e pela produção em cadeia. As palavras dos habitantes, as lembranças do passado, da guerra e da reconstrução, e a descrição do ‘novo’, fazem do filme um documento apaixonante sobre as mutações dos anos 60, comuns a diversos países.
Numa navegação de treze minutos, Nestler leva-nos a descer o rio Reno. A oportunidade dada pelo transporte fluvial manteve em baixa o preço das matérias-primas, transformando o Reno numa das mais importantes artérias de transporte industrial do mundo. O filme transmite a significância que este caminho aquático representa para as pessoas.
Filmado dois anos antes da junta militar ter chegado ao poder, o filme reflecte sobre a instabilidade que caracterizou o governo Grego no século XX, culminando na vitória e afastamento do político liberal Georgios Papandreou. O caos daí resultante e a exigência de novas eleições trouxeram milhares de pessoas para as ruas, o que destabilizou ainda mais o então Governo grego.
Im Ruhrgebiet é sem dúvida um dos filmes onde Nestler mostra a sua revolta. É uma afirmação pessoal e desencantada sobre a vida na região do Ruhr: a luta contra o fascismo, a realidade do comunismo e a sua própria luta para ser reconhecido na Alemanha. Nestler confronta os espectadores com uma sequência rígida de imagens acompanhada por vozes aparentemente frias, manifestando uma grande frustração. Nestler filma sem qualquer compromisso. Nesta ‘rebelião’, filmada de modo impressionante, só há lugar para a ira.
Em Die Nordkalotte, Peter Nestler fornece uma visão crítica sobre a industrialização, especialmente a extracção de minério na Península de Kola, que levou à destruição massiva de florestas, lagos e tundra. O filme examina igualmente as consequências da industrialização nos povos indígenas da Lapónia. A tradição e a compreensão da natureza dos poucos Lapões criadores de renas na remota província da península Russa e no norte da Escandinávia são justapostas ao mundo moderno após a Revolução Industrial.
Pachamama é outro bom exemplo dos documentários extraordinários do realizador. Neste filme, Nestler leva-nos a uma expedição ao Equador, ao coração de uma cultura índia antiga. Apesar de fortemente danificados pelos conquistadores espanhóis, muitos dos tesouros sobreviveram e, notavelmente, muitas das velhas tradições e costumes indígenas ainda hoje são postos em prática. Pachamama é um filme de uma beleza serena e de uma tristeza amena, mas não amarga; um filme sobre a riqueza cultural de um país fascinante. – Ted Roth
Dois filhos, Pierre e Vladimir, questionam o seu pai, Max Léon, acerca da sua vida e od seu comprometimento enquanto militante comunista. Fazem também perguntas à sua mãe, Svetlana, e à irmã, Michèle. Para além dos relatos da família, encontram outras testemunhas do sonho socialista: Jacques Rossi, antigo agente do Komintern e deportado para o Goulag, e Marina Vlady que casou com o cantor contestatário Vladimir Vyssotski e viveu na URSS nos anos setenta. Esperanças e desesperos, entre a palavras e o silêncio. Escrevem-se assim as vidas singulares, e assim diferem, talvez, da História.
O pintor judeu Leopold Mayer fugiu da sua cidade natal, Frankfurt, aquando da ascensão do regime nazi, encontrando refúgio em França, onde mudou o seu nome para Leo Maillet. A sua estadia foi encurtada pela invasão alemã de Paris. Flucht traça a fuga de Maillet da Gestapo e da polícia francesa, utilizando a série de pinturas ‘Entre Chien et Loud’ de Maillet como enquadramento para o filme. Acompanhado pelo filho de Maillet, Daniel, Peter Nestler revisita os esconderijos do artista falecido e traça um retrato assombrosamente belo de um artista excepcional em fuga.
‘Do México à Russia, da Alemanha à Índia, o realizador Vladimir Léon procura os traços de um revolucionário aventureiro de Bengal’ – M.N. Roy. Fundador do partido comunista de Zapata, no México, líder da Internacional Comunista na Rússia Soviética, ao lado de Lenin, militante anti-Estaline e anti-Nazi na pré-guerra com a Alemanha, um político e um filósofo ateu na Índia independente, Roy personifica as lutas de um século em diferentes continentes. No entanto, a história oficial destes três países preferiu apagar a sua marca. Através de relatos directos e indirectos, Léon pacientemente reconstrói a caótica existência de um espírito livre. Este filme, um inquérito e meditação sobre o curso obscuro da História, é um épico moderno que nos permite perceber o estado corrente das coisas em diferentes países.
‘Tinha organizado literalmente o meu encontro com Jean Lambert. Desde logo receei a sua morte, de que ele próprio me tentou prevenir: escolher um amigo tão velho… À noite escutávamos os Javas até que o medo se dissipasse… De qualquer modo rimo-nos em frente à câmara, que estava ali, estupidamente sozinha, a filmar-nos. Com Marie, uma amiga, comprámos a casa em que te encontrámos morto, quando o teu coração parou durante a sesta. Ariane, uma vizinha lembra-se do tempo em que ele pensava viver até ao eclipse. Eu não moro em Vattetot, passei a viver onde Jean Lambert já não vive. É isso.’
Détour é uma sucessão de planos fixos de uma das ilhas Shetland. Jovan from Foula é uma sucessão de travellings de carro em Foula, outra das ilhas Shetland, com um guia chamado Jovan. Détour suspende o olhar do viajante e compõe na paisagem a galeria intangível das obras que alimentam precisamente esse olhar. Jovan from Foula acompanha o movimento da vida onde cada um procura o outro, procura-se a si próprio, foge a si próprio, e finalmente se escapa.
Filmado na zona de Caux, na Normadia, em França, Secteur 545 define os limites pelos quais Pierre Creton pesa e inspecciona gado e leite para criadores que o solicitam. Sendo também realizador, Creton é, ao mesmo tempo, um actor e um observador neste filme. Creton capta momentos da vida rural que estão muito longe dos clichés pitorescos. Uma pergunta, lançada explicitamente aos criadores de gado, traça a linha estrutural do filme: qual a diferença entre o Homem e o animal?
Numa escola agrícola em Yvetot, alunos e professores relatam as suas experiências do termo ‘paisagem’, a sua avaliação e o seu futuro. O filme não é um estudo sistemático do assunto, nem este assunto é um tema, excepto no sentido musical, uma vez que aparecem outras paisagens, as dos rostos e dos gestos dos adolescentes, as das salas de aula, as dos oficinas, as das salas de jogos e dos seus corredores. Em suma, a memória de uma infância tão mutável quanto a aparentemente estática geografia em que nos movemos.
Faz agora sete meses que a Blé, minha mãe, morreu. Estou em frente do mar de S. Miguel, Açores, a terra da família distante. Encontro a tia-avó Maria do Rosário, 91 anos, à procura do seu momento para partir. Fala-me de Deus. À sua volta, os bebés nascem. Todos passam pelo mar da ilha, negro, vulcânico. É aqui que encontro a Florence e o Beru, um casal francês que todos os anos cruza o Atlântico no Balaou, um barco à vela. Convidam-me a continuar a viagem com eles. Mando fora o bilhete de avião e faço-me ao mar alto. Dividido em três momentos e oito lições, Balaou é uma viagem para aceitar o esquecimento das coisas. – G.T.
Nos campos de gado dos Jie no Uganda, os homens reúnem-se à sombra de uma árvore especial para fabricarem utensílios de madeira e pele, para conversarem, para relaxarem e para dormir. A conversa da tarde em questão desenvolve-se como uma espécie de etnografia invertida, centrada no mais notável bem europeu, o veículo motor. Um filme único, delicado e íntimo, repleto com o humor dos Jie e, implicitamente, o humor irónico dos realizadores.
Sendo o primeiro filme da trilogia Turkana Conversations, este é um retrato multifacetado de Lorang, o chefe de uma propriedade no noroeste do Quénia e um dos líderes da área. Porque são relativamente isolados e auto suficientes, muitos dos Turkana (incluindo o filho de Lorang) não imaginam a sua vida diferente no futuro. Mas Lorang não pensa da mesma maneira, porque já viu mais do mundo exterior. O filme é o estudo de um homem que vê a vulnerabilidade da sua sociedade e cujo papel foi moldado por essa percepção. O filme explora a personalidade e ideias de Lorang através das suas conversas com os realizadores, o testemunho dos seus amigos e parentes, a observação do seu comportamento com as suas mulheres, filhos e homens da sua idade e estatuto.
Inverno na China. Uma cidade na neve. A noite cai. Embrulhada no seu casaco, uma idosa caminha lentamente para chegar ao seu humilde apartamento. Lá dentro, He Fengming senta-se e recorda. As suas memórias levam-nos até 1949 – ao início de uma jornada que nos vai conduzir por mais de 30 anos da sua vida e da Nova China.
Photo Wallahs é um filme sobre os vários significados da fotografia, filmado no Mussoorie, uma famosa estância no norte da India que atrai turistas desde o século XIX. Neste local, a fotografia prosperou. Sem comentários falado, o filme descobre o seu tema nas ruas, nos bazares, nas lojas, em estúdios fotográficos e em casas particulares de Mussoorie, comparando, neste processo, os diferentes trabalhos e atitudes dos fotógrafos locais – os ‘photo wallahs’ de Mussoorie. Apesar da fotografia na India ter desenvolvido características culturais distintas, as suas múltiplas formas e usos dizem-nos bastante acerca da natureza e do significado da fotografia em todo o mundo.
A dinâmica social do grupo é o foco deste filme sobre a vida num dormitório escolar, o quarto filme no quinteto Doon School Chronicles, o estudo prolongado de MacDougall sobre a infância e a adolescência na Doon School, no norte da Índia. Esta escola é o principal internato para rapazes da Índia, e este filme fornece uma visão única dos valores e formação da classe média indiana, e das elites pós-coloniais em geral. Dentro do grupo estão rapazes de personalidades e origens variadas – alguns líderes naturais, alguns sujeitos a provocações e intimidações, alguns provocadores, alguns pacificadores. Uma característica importante do filme é a inclusão de conversas entre os rapazes sobre as causas da agressão e da guerra, saudades de casa, comida de restaurante, e como falar com um fantasma.
Último e derradeiro filme do quinteto Doon School Chronicles, The Age of Reason centra-se na vida de um estudante que Mac Dougall descobre na escola. O filme reflecte os pensamentos e sentimentos de Abhishek, um rapaz de 12 anos do Nepal, durante as suas primeiras semanas como estudante no colégio Doon. Esta é claramente a história do encontro entre um realizador e o seu objecto, e um olhar sobre uma criança na ‘idade da razão’.