Nos últimos anos, o documentário foi objecto de um boom de produção evidente e ganhou aquilo que poucas ou nenhumas vezes teve em épocas anteriores da história: um mercado próprio, originado pela procura televisiva. Este mercado gera novos padrões de produção e de linguagem, e com ele mudaram as regras, surgiram novas tensões. Mas, em face dessa mutação de contexto, que filmes estão realmente a ser feitos? Em Serpa queremos discutir os filmes e a sua linguagem. Queremos partir da análise concreta das obras para perceber que desafios maiores do cinema e da imagem passam hoje por aqui. Queremos perceber que obras perturbam ou interrogam os novos padrões de leitura e de consumo das imagens (e) do nosso mundo. Ou que obras nos perturbam e nos interrogam face a esses novos padrões. Não queremos discutir o documentário “em si”, mas o cinema que nele está a ser feito.
Um filme a várias vozes que, em homenagem a Michel Giacometti, vai ao encontro de culturas populares no passado e no presente, no Alentejo e na Córsega, para testemunhar trocas e partilhas onde ninguém perde a sua identidade nem as suas raízes, antes as reanima no contacto com o outro.
“A minha mãe morreu quando eu tinha vinco anos. O meu pai nunca me falou dela. O ano passado, foi a família portuguesa da minha mãe que me encontrou. Parto para Portugal para conhecer esta família que não vejo há mais de vinte anos.” – Pierre Primetens
“Beirute é uma cidade fantástica. Estamos no centro do mundo. Em Beirute, entre 1975 e 1990, houve uma guerra civil… Acabou um dia, de um momento para o outro, depois de ter gangrenado as nossas vidas. Quis filmar o vazio que deixou.” – Danielle Arbid
Nos bairros ‘gecekondu’ dos subúrbios de Istambul, uma mulher escreve, à noite, às escondidas do seu marido e filhos. De dia, tem vários empregos sazonais, para alimentar a família.
“Por muito tempo, na minha imaginação, vivi no Vietname. As paisagens, os rostos, as vozes chegavam-me de um modo filtrado, uma confusão de imagens pouco claras da guerra. Nada pôde apagar em mim essas memórias intemporais, e de um certo modo elas alteram a visão que tenho hoje desse país.” – Daniel Nguyen Van
No dia 5 de Outubro de 1997, uma equipa de televisão entra na favela de Vila Parque da Cidade. Os habitantes vêem, na televisão, o Papa a dizer a missa no centro do Rio. Em Dezembro, a equipa volta à favela para tentar descobrir como é que os habitantes vivem a sua religião.
Um acampamento de nómadas no deserto, no sul do Cazaquistão. As condições de vida são terríveis para os homens e para os animais. Por vezes, abandona-se tudo pelo deslumbre da cidade. De qualquer modo, não se consegue deixar de pensar em abandonar tudo e partir à procura de comida.
A oitenta quilómetros de São Petersburgo, está um campo de pioneiros (organização juvenil do Partido Comunista) abandonado. Só algumas pessoas idosas vivem nesta aldeia remota. Uma vez por semana, uma carruagem de comboio cheia de pão é separada de um comboio que circula na via principal…
Numa estrada, no meio das estepes áridas do Kazaquistão, um sinal: Moscovo 2300 km. Um camionista acrescentou à mão: A estrada para o inferno. Um autocarro aparece no horizonte. Nele viaja uma família. Com os seus seis filhos, montaram um pequeno circo ambulante.
Um casal de idosos procura manter uma boa atmosfera em casa apesar das condições estranhas.
Uma senhora idosa ocupa-se minuciosamente dos trabalhos domésticos na sua quinta. Através disso, ela enfrenta o seu negro conto de fadas.
Durante dez anos, a matemática Amalia Susi descreveu a vida quotidiana do gulag escrevendo em roupas. O escritor Andrei Sinyavski escreveu do gulag numerosas cartas à sua mulher.
Cenas da vida rural, trabalhos nos campos, transumâncias, festas. Fardos de palha deslizam pelas colinas, empurrados, amparados por um camponês…
Zinat é uma personalidade local na ilha de Qeshm, no Golfo Pérsico. Foi a primeira mulher da sua aldeia a retirar o ‘borgheh’, véu tradicional usado pelas mulheres nesta região. Noutra grande batalha contra as regras estabelecidas, ela candidata-se às primeira eleições organizadas no Irão em 20 anos.
Em Outubro de 1998, em Paris, Johan van der Keuken sabe pelo seu médico que só lhe restam uns anos de vida. Com a sua mulher Noshka van der Lely, técnica de som de todos os seus filmes, decide consagrar o precioso tempo que lhe resta a ver e a escutar. A sua viagem leva-os do Butão a África, do Rio a São Francisco.
Em 1950, Robert Frank conhece o pintor chinês Sanyu. Quinze anos depois, Sanyu morre em Paris, pobre e esquecido por todos. Trinta anos mais tarde, Robert Frank decide vender os quadros de Sanyu…
Quando eram jovens, Xiao Wu e Xiao Yong eram grandes amigos, trabalhando juntos como carteiristas. Xiao Wu ainda o faz, praticando o seu ofício com uma devoção de artista. Xiao Yong, por outro lado, subiu na vida…
São Paulo cantada pelos seus trovadores nordestinos. Os seus versos fazem-nos descobrir a megalópole ao ritmo do forró e dos tambores.
“A vida só me tem dado desprezo. Morar em casas fantasmas, que outras pessoas deixaram. Estive em casas que nem uma bruxa queria lá morar. Mas também estive em casas que valiam a pena. Todas as casas que eu ocupei eram casas clandestinas. Foram casas que as pessoas abandonaram mas se estivesse lá uma pessoa de bem… eles até não mandavam abaixo. E olha, foi assim, casa atrás de casa. Já paguei mais pelas coisas que não fiz, que pelas coisas que fiz.”
Em 1999, os trabalhos de colocação do primeiro cabo de fibra óptica do Sudoeste da Ásia atravessaram o Camboja. É uma oportunidade para muito Cambojanos – camponeses pobres, soldados desmobilizados, famílias sem recursos – arranjarem trabalho.
“Doc’s Kingdom, uma bela reflexão sobre o exílio, filmada em Portugal. A história de um médico (interpretado por Paul Mc Isaac), impregnado e torturado pelo seu passado, que há muito deixou os Estados Unidos por causa do Vietname, e que sonha voltar.”
Andrijana Stojkovic captura gestos simples do quotidiano com uma precisão absoluta. A obra da realizadora sérvia, breve, por enquanto, oferece observações livres de diálogo sobre espaços tornados casa e a passagem do tempo nesses lugares interiores.