O programa convida a uma rota por ‘Todas as fronteiras’, entendidas literalmente e na sua acepção mais aberta: há filmes programados que se referem às fronteiras geográficas entre países e muito particularmente à dimensão geopolítica que está na origem de conflitos antigos e contemporâneos. Mas estarão igualmente em causa as fronteiras entre pobres e ricos, entre vítimas e carrascos, entre quem filma e quem é filmado, entre o visível e o invisível, entre o som e a imagem. A fronteira como limite, como obstáculo ou como passagem.
Todas as famílias guardam segredos. A minha não é excepção. Primeiro descubro um velho filme de 9.5mm, depois redescubro os velhos álbuns de infância da minha mãe onde todas as fotografias me parecem ilusões ópticas. Mais tarde o meu avô, (o escritor Tomás de Figueiredo) que nunca conheci, revela-se e fala comigo num estranho programa de televisão. Entre passado e presente, tento dar um sentido àquilo que vou descobrindo e aos silêncios e portas fechadas que continuo a defrontar. – Catarina Mourão
Route 181 oferece uma visão incomum dos habitantes da Palestina-Israel, uma visão comum de um israelita e de um palestino. No verão de 2002, durante dois longos meses, Eyal Sivan e Michel Khleifi viajaram juntos desde o sul até ao norte do seu país natal, traçaram a sua trajectória num map,a e chamaram-lhe Route 181. Esta linha virtual segue as fronteiras delineadas na Resolução 181, adoptada pelas Nações Unidas em 1947, para dividir a Palestina em dois estados. À medida que viajam ao longo desta rota, conhecem homens e mulheres, israelitas e palestinianos, jovens e idosos, civis e soldados, filmando-os nas suas vidas quotidianas. Cada uma dessas personagens evoca à sua maneira as fronteiras que as separa dos seus vizinhos: cimento, arame farpado, cinismo, humor, indiferença, suspeita, agressão… As fronteiras foram construídas sobre colinas e planícies, em montanhas e vales, mas acima de tudo dentro das mentes e das almas destes dois povos, e consciência colectiva de ambas as sociedades. Route 181 leva-nos numa desorientada viagem por este pequeno território com vastas ramificações.
Diego trabalha de noite numa gasolineira isolada, perto da fronteira entre Galiza e Portugal. O seu trabalho é solitário, silencioso, monótono, soporífero. Uma noite, a aparição de dois visitantes inesperados altera a rotina deste lugar.
A raia é a fronteira que divide o sudeste da Galiza (Espanha) do noroeste de Portugal. Uma zona montanhosa, de climas extremos. Terra do interior, terra de agricultores. Os povos desta zona foram esquecidos historicamente, na periferia de ambas as nações. Esta e outras circunstâncias fizeram e fazem esta terra e as suas gentes muito especiais, com histórias tão valiosas como desconhecidas.
Dois filmes, cada um projectado sobre um dos lados da mesma tela. Os espectadores de um filme são incapazes de ver o outro. No primeiro, quatro pessoas contam as suas acções como passeurs, contrabandistas envolvidos em redes clandestinas que ajudaram a levar as pessoas para fora do país entre 1971 e 1975 por razões políticas e/ou devido a deserção. No outro, três longos e diferentes takes intersectam o Rio Trancoso, um afluente do Rio Minho, que marca a fronteira entre Portugal e Espanha, onde as actividades clandestinas aconteceram.
Quem são May e Fusako Shigenobu? Fusako – líder de uma facção de esquerda extremista, o Exército Vermelho Japonês, que se envolveu numa série de operações terroristas – vive escondido em Beirute há quase 30 anos. May, a sua filha, nascida no Líbano, só descobriu o Japão com 27 anos, após a detenção da sua mãe em 2000. E Masao Adachi? Um argumentista e cineasta, activista radical, comprimetido com a luta armada e a causa Palestina, que esteve exilado no Líbano durante várias décadas até ser enviado de volta para o seu país natal. Nos anos em que realizou filmes, foi um dos impulsionadores da ‘teoria da paisagem’ – fukeiron: através da filmagem de paisagens, Adachi procurava revelar as estruturas da opressão que sustentavam e perpetuavam o sistema político. Anábase? O nome dado, desde o tempo do grego Xenofonte, aos errantes e sinuosos regressos a casa. É esta história, complexa, sombria e em suspense constante, que Eric Baudelaire – um artista reconhecido pelo uso da fotografia como meio de questionar a encenação da realidade – escolhe mostrar, servindo-se do formato do documentário. Filmado em Super8 e no jeito de um fukeiron, panoramas contemporâneos de Tóquio e Beirute são combinados com imagens de arquivo, excertos televisivos e filmes, usados como pano de fundo para as vozes e memórias de May e Adachi. Falam da vida quotidiana, a infância na clandestinidade, do exílio, de políticas, de cinema, e das suas fascinantes sobreposições. Tudo isto se reúne, não tanto como uma investigação, mais como uma anamnese fragmentada. – Jean-Pierre Rehm
Este filme surge da necessidade urgente de falar sobre a violência de outro ponto de vista, consciente da sobre-utilizada ideia de que ‘a sociedade do Terceiro Mundo coloca a violência no centro do seu próprio significado’. Sendo assim, vamos esquecer os modos de representação que o meu cinema tem usado e considerar que, onde uma ideia consegue assumir o controlo e tornar-se hegemónica, uma rebelião anárquica com várias narrativas, cores e formatos emerge, seduzida por uma revolução permanente. As línguas europeias reinventadas no Caribe; a minha montagem é inspirada por essa oralidade tão remota, convertendo-se constantemente em novos modos de representação, enquanto continua a perseguir a sua liberdade. – Nelson Carlo de los Santos Arias
Projecção para uma docu-ficção filmada no território da fronteira.
Dois homens procuram o seu espaço dentro da floresta. Stevenson relembra as suas descobertas e investigações, Deolindo tenta preservar o seu tipo de vida ancestral. No meio deste caminho, dá-se a transformação de um território que muda a todo o momento. Quais são os segredos da floresta? Onde estão as fronteiras?
Em Mined Soil, César liga a história do combatente e agrónomo guineense Amílcar Cabral e a sua investigação sobre a erosão em Portugal, à documentação contemporânea da exploração mineira por parte de uma empresa canadiana, na mesma área, em tempos estudada por Cabral. Aqui o próprio solo é um depósito de memórias, vestígios, exploração, crises, arsenais, tesouros e palimpsestos. Este trabalho chama a nossa atenção para questões macroeconómicas contemporâneas na sequência das crises europeias, onde países como a Grécia e Portugal têm sido obrigados a procurar riqueza de novas maneiras que podem ter consequências sociais e ambientais profundas. Filipa César conta não só a história destes 47 km2 de paisagem portuguesa – entre tantas outras ausentes da atenção dos media -, mas fala também das operações neocolonialistas que voltam a atacar o solo europeu.
Nos arredores de Brasília, capital do Brasil, a polícia invade um baile negro com o pretexto de reprimir o tráfico de droga. Na verdade, por trás da invasão está uma acção racista e territorial. É proposto um processo para incriminar o Estado Brasileiro por crimes cometidos contra populações negras e marginalizadas. Será o Estado Brasileiro culpado?
“Nenhuma das pessoas a quem perguntaram por mim me tinha visto.” Le Boudin documenta o encontro do jovem Elias Geißler com o testemunho de Nuno Fialho, que aos dezasseis anos deu por si na Legião Estrangeira Francesa. “Não me alistei. Alistaram-me.”
Inverno, Beirute. Numa praia poluída, Lili e Michel conhecem-se. Ou talvez já se tivessem conhecido… À medida que se esforçam por juntar os fragmentos de um passado incerto, as memórias emergem: um acto de terrorismo, uma explosão e o desaparecimento de uma criança, Elena. Tecida por entre fragmentos, ouve-se a voz profunda de um narrador japonês que relata a sua própria experiência em Beirute durante os 27 anos em que lá viveu e lutou como membro do Exército Vermelho Japonês, ao lado dos palestinianos.
O incrível julgamento de um homem terrivelmente comum. Retirado inteiramente das 350 horas imagens-arquivo raras gravadas durante o julgamento de Adolf Eichmann, em 1961, em Jerusalém, este filme sobre a obediência e a responsabilidade é o retrato de um especialista em resolução de problemas, um criminoso moderno. O filme é inspirado no controverso livro de Hannah Arendt ‘Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal’.
Paulo oferece retratos sublimados das crueldades e paradoxos do poder assim como das revoluções que os depuseram, apenas para erguer novas burocracias, novas crueldades e paradoxos. O seu trabalho como mercenário encontra-se na franja destes dois mundos.
Em 1967, após o sucesso de Blow Up, Michelangelo Antonioni planeava fazer um filme no Japão. O projecto foi cancelado e Antonioni optou por filmar nos Estados Unidos, onde realizou Zabriskie Point. Em 1983, Antonioni publica ‘That Bowling Alley on the Tiber’, uma compilação de notas e intenções para filmes que nunca chegou a fazer, ‘núcleos narrativos’ de um cinema que ainda permanece invisível, mesmo após a morte de Antonioni, em 2007. No espírito de um famoso enigma Zen sobre o bater de palmas de uma só mão, o artista e cineasta Eric Baudelaire inventa a noção de ‘make’, o remake de um filme que não chegou a ser feito uma primeira vez. O fantasma de um filme que espreita atrás de um documento que comprova apenas a sua possibilidade de vir a ser feito. Adoptando o formato de um extra de DVD, The Makes apresenta-se como uma entrevista encenada a Philippe Azoury, um especialista na obra de Antonioni e famoso crítico de cinema do jornal francês Libération. Ao longo do filme, o cinema não-realizado de Antonioni ganha forma através de um conjunto variado de materiais, que acabam por oferecer sentido uns aos outros: ideias para histórias retiradas de ‘That Bowling Alley on the Tiber’, fotogramas de produções Japonesas independentes, um preciso e surpreendentemente crítico discurso de Azoury, anedotas da vida real e uma fatídica correspondência entre Barthes e Antonioni. Explorando a noção de cinema invisível, esta montagem de materiais do passado e tão distintos entre si, cria um estranha e concreta experiência cinematográfica no presente.
Há filmes em que os conflitos surgem espontaneamente entre o realizador e os actores. E depois há os filmes onde o conflito é pensado desde o início como parte integrante da sua premissa. No filme de Thomas Harlan, Wundkanal, um verdadeiro ex-Nazi é confrontado com os seus crimes horrendos. Mas o processo por trás do filme era de facto um longo confronto entre o realizador, a equipa de filmagem e o seu protagonista mentiroso. O quão intenso (mas também imensamente complexo) este confronto foi, pode ser observado em Our Nazi, que documenta a criação do filme de Harlan. Um filme que em si mesmo é um reflexo único sobre os limites da moral e da compreensão humanas, quando se coloca frente a frente com algo que, na ausência de melhor termo, pode ser chamado de mal. Os cineastas por trás de Wundkanal eram descendentes das vítimas do protagonista Alfred Filibert ou de outros Nazis. O próprio pai de Thomas Harlan, o cineaste alemão Veit Harlan, fez o filme Jud Süss (1940), um dos filmes mais conhecidos de propaganda anti-semita durante a era Nazi. E, tal como os jovens sequestradores no início de Wundkanal, a perderem controlo sobre o seu próprio plano, as relações inflamadas entre o realizador e os participantes transformaram-se aqui num jogo de poder, que às vezes culminou em disputas físicas. Uma obra-prima intransigente de um dos artistas mais radicais do cinema documental.
Um velho homem é raptado. O seu interrogatório revela a biografia de um assassino: o homem de 80 anos foi um oficial SS, responsável pela morte de milhares de pessoas na Rússia. Também ‘inventou’ uma técnica perversa de eliminação de prisioneiros políticos: o suicídios manipulado. Thomas Harlan reconstrói a história de um assassino burocrata, desenvolvendo uma relação directa entre o Nacional Socialismo e o tratamento dos prisioneiros terroristas da RAF na prisão de Estugarda.
Nesta video-carta, Robert Kramer dirige-se a Paul McIsaac, o seu velho cúmplice, personagem principal de Doc’s Kingdom e, de alguma maneira, o seu alter-ego. Uma imagem do passar tempo e uma breve reminiscência sobre o filme que fizeram juntos. Este filme foi gravado durante a montagem do filme Route One/USA.
Paris, Junho 29 2012
Querido Max,
Estás aí?
Eric
“A Abecásia é como que um paradoxo: um país que existe fisicamente no mundo (um território com fronteiras, um governo, uma bandeira e uma língua), mas que não tem existência legal, uma vez que em quase vinte anos nenhum Estado-Nação o reconhece como tal. E assim, Abecásia existe sem existir, presa num espaço liminar, um espaço entre realidades. É por isso que a minha carta para Max era como uma mensagem numa garrafa lançada ao mar, uma piscadela de olho ao mundo do ‘Rei Ubu’, de Alfred Jarry, que Maxim Gvinjia parece habitar. Mas a minha carta chegou e, de alguma forma, a ficção penetrou o real.” E assim se lança Eric Baudelaire numa aventura de correspondências, 74 cartas enviadas ao longo de 74 dias, o argumento para a narração de um filme em que Maxim Gvinjia, ex-Ministro dos Negócios Estrngeiros da Abecásia, se torna o narrador. O filme é estruturado por esta correspondência: cartas que não deveriam ter chegado mas que de alguma forma encontraram o seu caminho até Max, as suas respostas gravadas, e imagens que Eric Baudelaire filmou na Abecásia quando a correspondência terminou. – Jean-Pierre Rehm
A palma é o interior da mão e uma árvores tropical. Contribuição para o simpósio ‘Pensando com Harun Farocki’.
Fauske, Noruega. 70km a norte do Círculo Atlântico. A penúltima semana do ano, a semana do solstício e Inverno, a duração média do dia aqui é de 58 minutos. O nascer-do-sol acontece às 11h27 da manhã e o pôr-do-sol às 12h25. Este filme é um retrato desses breves momentos de luz.
El Dorado é uma ficção documental que narra 24 horas na vida de Mamai, um mineiro informal que migrou para La Rinconada, Perú. Ele trabalha sob o sistema de cachorreo (semelhante ao esquema imposto pela coroa Espanhola aos escravos nativos) com a esperança de um dia oder libertar a sua família desse Inferno de Dante e regressar à sua terra natal. La Rinconada é a maior mina da terra. Homens, mulheres e crianças entram e cavam buracos negros no monte Ananea, arrastando sacos de pedras e vagueando em permanente exaustão. O sistema é uma lotaria imprevisível; ainda assim, com o cachorreo mineiros e empregos podem evitar ‘certos impostos’. É um jogo mental – a hipótese de gerar uma pequena fortuna motiva os mineiros; e acreditar em ‘algo maior’ serve de grande inspiração, uma vez que o magro salário mensal não justificaria por si só uma vida de perigos. Passaram-se quatro anos desde que o governo Peruano finge não ver o crescimento de condições desumanas nesta comunidade remota, onde a maioria dos agentes da autoridade se recusa a patrulhar a área.
Alberto é um jardineiro evangélico que viaja para a sua aldeia natal para estar presente no enterro do seu pai, assassinado por um polícia. Ao chegar, descobre que terá de participar em rituais contrários à sua religião e vontade, e além disso, vingar a morte do seu pai.
O rodar de um farol desenha um círculo. No espaço dessa linha atravessa-se um arquivo de postais enviados nos anos 60 e 70 entre a Ilha da Madeira e Moçambique. As Figuras Gravadas na Faca com a Seiva das Bananeiras circula entre uma ficção ancorada numa memória colonial e a ficção-científica.
Trinta e cinco anos depois de ganhar a independência do domínio colonial português, Goa é definitivamente um estado de muitos contrastes. Junto com uma grande população de migrantes Hindus, existe ainda uma minoria que fala em língua portuguesa que parece ter congelado na nostalgia e se mantém num estranho limbo temporal. Aida, a Dama de Chandor, tem oitenta anos e vive sozinha num palácio perdido numa aldeia goesa. Este documentário conta a sua história, acompanhando o seu esforço diário para preservar a todo o custo a casa onde vive, símbolo visível e palpável da sua identidade, que ela sente ameaçada. A Dama de Chandor e a sua casa confundem-se. Aida terá de viver até garantir que a casa lhe sobrevive.